domingo, 14 de agosto de 2011

Doutrina Evolucionista


Muito Além de Darwin



          A partir das pesquisas e dos estudos de Charles Darwin, encontrou-se uma explicação científica para a evolução das espécies na Terra, desde os seres mais simples, os unicelulares, os primeiros a surgirem no planeta, até o homem, o mais complexo de todos, corolário dessa saga extraordinária iniciada há mais de 3,5 bilhões de anos.  A ciência, porém, não tem resposta para todas as questões que envolvem a teoria evolucionista, em primeiro lugar.  Ademais, só considera a evolução material, física, corpórea, como base inclusive para explicar a evolução comportamental, moral, psíquica.

          Quando se trata do homem, seu surgimento, segundo a teoria mais ampla, remonta a cerca de 5 milhões de anos.  E é voz corrente ter se originado de um ramo dos símios, que gerou antropóides e daí o homem.  Pensa-se, por isso, que um dia “desceu da árvore”, hábito encontrado entre os seus ancestrais. Contudo, apesar dos inúmeros elementos de análise encontráveis nos laboratórios e nos livros dos cientistas da atualidade que cuidam dessa questão, a resposta definitiva ainda não foi apresentada pela ciência do mundo, desde que não se consegue encontrar o chamado “elo perdido”, que explicaria, segundo se pensa, como o macaco se transformou em homem.

          Dois anos antes do lançamento de “A Origem das Espécies”, de Darwin, veio à luz do mundo, em 18 de abril de 1857, “O Livro dos Espíritos”, que representou os alicerces do edifício da codificação espírita, por obra e gênio de Allan Kardec, fundamentado nas revelações da plêiade do Espírito da Verdade, prometido por Jesus.  Surgia assim a Doutrina Espírita, de caráter essencialmente evolucionista, que veio para servir de auxiliar à ciência e à religião.

          Posteriormente, em “A Gênese”, cobertura daquele edifício, publicado no ano de 1868, Kardec diria:  “O Espiritismo e a ciência se completam um pelo outro;  a ciência, sem o Espiritismo, se acha impossibilitada de explicar certos fenômenos, unicamente pelas leis da matéria;  o Espiritismo, sem a ciência, ficaria sem apoio e exame.”  Décadas mais tarde, o grande cientista Albert Einstein resumiria o pensamento kardeciano nestas poucas palavras:  “A ciência sem a religião é manca;  a religião sem a ciência é cega.”

          Em “O Livro dos Espíritos” (LE), livros I e II, Kardec oferece os princípios básicos do processo evolutivo, cujas linhas mestras encontram-se melhor definidas em “A Gênese”, caps. X e XI.       Nesta obra, o Mestre de Lyon considera como hipótese para a origem do corpo humano o tronco dos símios, que gerou assim “o último elo da animalidade sobre a terra”.  Mais do que isso, o estudo da Doutrina Espírita nos permite recuar aos primórdios da criação para entendermos como se chegou ao homem na linha do tempo da evolução. 

          Forma-se, assim, uma teoria espírita da evolução, com aquilo que os Espíritos revelaram e que a ciência materialista ignora completamente.  É bem verdade que ainda não estamos em condições de compreender principalmente o começo do processo.  Aliás, como diz o instrutor Calderaro a André Luiz, “não estamos, por enquanto, munidos de suficiente luz para descer com proveito a todos os ângulos do abismo das origens” (No Mundo Maior, 14a. ed., FEB, pág. 60).  Os Espíritos já haviam dito a Kardec que “Deus não permite que tudo seja revelado ao homem, aqui na Terra” (LE, 3a. ed., FEESP, perg. 17).

          A principal vantagem que a Doutrina Espírita apresenta, em relação à ciência positivista, materialista, é que ela considera Deus e o espírito na formulação da sua teoria evolucionista, superando em muito também a versão criacionista judaica do Velho Testamento.  Foi a própria ciência, aliás, que nos ajudou a entender melhor a alegoria mosaica, representada pelos 6 dias da criação, dias que, na verdade, representam grandes eras geológicas.  Vamos, então, à teoria espírita da evolução.

          Para nós, tudo começa em Deus, “causa primeira de todas as coisas”, conforme nos ensina Kardec (LE, perg. n. 1).  “Tudo foi criado, exceto Deus”, diz o Espírito São Luiz, em “O Livro dos Médiuns” (2a. Parte, cap. IV, item 74, n. 2).  Que coisas são essas que Deus “causou”, ou mais propriamente criou?  Dois elementos substanciais:  espírito e matéria (LE, perg. 27).  Eles representam a obra da criação e estão por toda parte, formando o Universo.  São elementos distintos, de natureza diversa, que não se confundem, não se misturam, não se reduzem um ao outro:  espírito é espírito, matéria é matéria.  O espírito é o elemento ativo; a matéria, o passivo.  O espírito age, a matéria reage.  O espírito é o agente, a matéria, o paciente.  O espírito concebe as formas, a matéria as adota.

          O espírito é o princípio inteligente do Universo, fonte primordial de toda a inteligência criada.  Dessa fonte partem as individualidades espirituais rumo à perfeição.  Como se dá essa individuação, não se sabe;  é um dos mistérios de Deus.  O fato é que o princípio inteligente individuado é o elemento que evolui, passando por inúmeras etapas, através das quais desenvolve o seu potencial divino para chegar ao seu fim último.  “O Criador começa, e a criatura acaba a criação de si própria”, disse o genial Ruy Barbosa, na sua extraordinária “Oração aos Moços”.

          Neste passo, vem-nos à mente a conhecida frase, sempre atribuída a Léon Denis, de que o princípio inteligente “dorme no mineral;  sonha no vegetal;  agita-se no animal;  e desperta no homem”, contida em “O Problema do Ser, do Destino e da Dor” em forma ligeiramente diferente.  Kardec, na Introdução de “O Livro dos Espíritos”, item XVII, último parágrafo, assim o define:  “Se observamos a série dos seres percebemos que eles formam uma cadeia sem solução de continuidade, desde a matéria bruta até o homem mais inteligente.”

          Certamente, Kardec estava se referindo aqui à série dos seres que formam a Natureza terrena.  Todavia, podemos ampliar esse conceito dizendo que a tal cadeia começa na matéria bruta para terminar no anjo.  É assim que o princípio inteligente transita pelos reinos da Natureza, aperfeiçoando o seu corpo perispiritual e, em consequência, também o seu corpo de matéria densa, até chegar a ser Espírito (LE, perg. 607ª.) e passar a encarnar como homem, daí para a frente, sem nunca retroceder no seu processo de desenvolvimento.

          Que benefícios recolhe o princípio inteligente ao concluir cada fase, ao passar de um reino a outro?  Di-lo Herculano Pires, em “Agonia das Religiões”, cap. XIII:  “o poder estruturador no reino mineral, a sensibilidade no vegetal, a motilidade no animal, o pensamento produtivo no homem.”  A Natureza não dá saltos, como já se disse, e o curso através de cada uma dessas instâncias existenciais é obrigatório, ou seja, faz parte do aprendizado do ser, como cada uma das fases de desenvolvimento do homem:  a infância, a mocidade, a madureza e a velhice.

          Por outro lado, na Natureza não há transições bruscas;  elas acontecem gradualmente.  Entre um reino e outro há sempre algum elemento-ponte, uma espécie limítrofe, que serve aos propósitos da evolução.  Ele geralmente traz em si características do reino anterior e do reino posterior.  É assim que, na fronteira entre o reino mineral e o reino vegetal, identificamos o cristal como elemento-ponte;  entre o vegetal e o animal, as plantas insetívoras (antes chamadas “carnívoras”);  e entre o animal e o homem, os símios (e mais especificamente o chimpanzé).  Esses seres são uma coisa ainda, e já são a outra, a um só tempo.

          A interação do princípio inteligente com o elemento material é mais visível no homem e nos animais, em razão da sua individualidade.  Nos vegetais, que possuem sensibilidade e manifestam sensações, a presença do princípio inteligente apresenta alguma visibilidade.  O problema que povoa a mente de muitos estudiosos da Doutrina está em entender como é que se dá o estágio no reino mineral, já que se trata da matéria inorgânica, inerte.  Há alguns espíritas que até rejeitam categoricamente essa hipótese, entendendo que tudo começa no reino vegetal, já que no mineral não há vida.  Penso que cabe uma reflexão mais profunda a respeito.

          O Espírito da Verdade foi enfático ao afirmar:  “Tudo se encadeia na Natureza, por liames que não podeis ainda perceber, e as coisas aparentemente mais disparatadas têm pontos de contato que o homem jamais chegará a compreender, no seu estado atual” (LE, perg. 604).  Ora, se tudo se encadeia, porque o princípio inteligente saltaria o reino mineral no início das suas existências junto à matéria densa?  Não havendo nada inexplicável no Universo,  o que pode acontecer é não termos a explicação de uma coisa no momento presente.  Certamente, vamos dar com ela mais adiante.

          São seres que se tocam, formando uma cadeia de vida, sem fim e sem nenhum elo perdido, tendo como fio condutor o princípio inteligente.  Por isso mesmo, Herculano Pires também nos ensina que “vivemos em espírito e pelo espírito, desde a pedra até o anjo” (“Ciência Espírita e suas Implicações Terapêuticas, 3ª. Ed., 1988, pág. 124).  O que podemos dizer, talvez, é que, no primeiro estágio junto à matéria densa, no elemento mineral, a ligação ainda é extremamente tênue, pífia, frágil.  É mais uma aproximação do que uma penetração.  De fato, não faz sentido pensar que vamos encontrar o princípio inteligente incrustrado numa rocha.  Mas, recebendo as sensações emitidas pela matéria condensada, ele inicia ali o seu aprendizado com toda a certeza.

          Assim é que o princípio inteligente individuado transita, no carreiro palingenésico, de reino em reino, em cada qual assimilando características peculiares, sem jamais se separar completamente do princípio inteligente universal, de que é legítima individuação (LE, perg. 79).  Uma análise mais objetiva de cada unidade desses espécimes revela-nos a presença iniludível da inteligência a dirigir cada contorno seu, cada uma de suas linhas...  Ou a simetria das formas e a beleza dos seus arranjos decorrem única e exclusivamente da lei de atração, isto é, das propriedades da matéria?  Ou ainda:  é tudo obra do acaso?

          Em verdade, o ser integral surgirá na linha da evolução, no reino hominal, onde o pensamento contínuo desponta e o ser inteligente da criação, por si mesmo, adquire a pouco e pouco autonomia.  O Espírito, então, desperta no homem, após o longo caminho percorrido nos reinos inferiores da Natureza, “numa série de existências que precedem o período que chamais de Humanidade” (LE, perg. 607).  É como um nascimento de “parto natural”, já que esse é o processo imperativo da lei divina.

          Mas, enquanto nos reinos inferiores prevalece o princípio da indiferenciação, ou seja, da similitude de comportamentos entre todos os seres de uma mesma espécie, com o advento da espécie humana começa uma nova etapa de desenvolvimento, onde cada indivíduo passa a distinguir-se dos demais, em razão da sua liberdade de agir e do maior ou menor proveito das suas vivências.  Não mais a igualdade, pois, mas agora a semelhança.  É o reino da racionalidade, da consciência de si mesmo e do meio, da liberdade de escolha e da responsabilidade.  E é nesta fase também que vai aflorar a mediunidade.

          No período pré-humano, não há erro nem perda, pois os seres desse período são monitorados por inteligências superiores, que dirigem e controlam o seu existir, provendo-lhes as necessidades básicas.  O tempo, por sua vez, flui aí naturalmente, não havendo nada que os retenha, nem os faça retardar-se.  A roda dos acontecimentos percorre caminho certo, sem desvios, na trilha da evolução.  Os seres marcham com rota previamente marcada;  somente quando puderem caminhar livremente, traçarão por si mesmos o roteiro que desejem seguir, e então serão responsáveis por seus destinos.

          É assim que a evolução, do ponto de vista da lei divina, desenvolve-se em ritmo cadenciado.  O princípio inteligente, um verdadeiro ser in itinere transita de experiência em experiência, adensando seu modo de agir na matéria, com o mapa da perfectibilidade aberto à sua frente.  Suas primeiras experiências são um pré-estágio, comparável, no período de humanidade, à pré-escola, em que o ser se ensaia na formação do seu conhecimento.

          Ao atingir a racionalidade, encerra-se para ele uma longa etapa do seu desenvolvimento, cuja memória jamais poderá acessar:  “quanto às primeiras existências, as que se podem considerar como a infância do Espírito, perdem-se no vazio e desaparecem na noite do esquecimento” (LE, perg. 308).  O que vale também para as primeiras existências como homem, onde podemos situar o ser simples e ignorante da criação.  Tendo estagiado até ali nos reinos inferiores da Natureza, cerram-se para ele, “definitivamente”, as cortinas do passado.  Uma singular transformação o introduz em novo e mais rico espetáculo.  Nessa longa andança, de santiâmen a santiâmen, soube assimilar valores fundamentais da estrutura do existir e desenvolveu umas tantas potencialidades.  Agora, é Espírito e caminha para a responsabilidade.

          A partir daí, florações insuperáveis advirão, porque o princípio inteligente individuado agora é o Espírito, produto da sua evolução, perfectível e imortal.  Suas existências pré-humanas, na retorta do processo evolutivo, da mesma forma, restarão indefiníveis, mas insepultas nas profundezas insondáveis do ser, num mundo incógnito e misterioso.  Registros inúteis, então?  Absolutamente não...  As conquistas primeiras servir-lhe-ão de bússola na nova Instância Existencial que se descortina.  E a cada nova encarnação, ao iniciar-se a formação do corpo carnal, repetirá em rápidos movimentos aqueles primeiros passos na linha da filogênese.

          Durante aqueles estágios primevos, o princípio inteligente realiza tudo o  que lhe é necessário e útil, relativamente a cada reino, pois que ele é dirigido por um guia preciso e infalível:  a lei natural, que tudo conduz, e da qual nenhum detalhe escapole, nenhum item se omite.  O comboio do tempo, nestas paragens, não atrasa, nem descarrila, mas chega a cada estação com a precisão que o caracteriza, obediente ao ritmo harmonioso da mecânica celeste.  Todos desembarcam em iguais condições de desenvolvimento potencial e padrão vibratório ao final de cada etapa da viagem.

          Finalmente, chega ele ao estágio derradeiro:  na ribalta, o ser humano.  O princípio inteligente, que estagiou nas Instâncias Existenciais dos reinos inferiores da Natureza, após assimilar as características básicas inerentes a cada reino, agora é Espírito e como tal vai surgir no cenário planetário nas condições humanas mais primitivas, envergando um corpo animal que em nada difere do corpo de alguns símios.  É o homo habilis que toma assento entre os viventes, já manifestando algumas poucas características humanas.  Suas faculdades distintivas  - o pensamento contínuo, a racionalidade, a consciência de si mesmo e do meio ambiente, a memória, o sentimento, a religiosidade e a mediunidade -  desabrocharão pouco a pouco, enquanto desfilam pelo palco do mundo, na sequência, o homo erectus, o homo sapiens e o homo sapiens sapiens.

          Era, então, o homem diferenciando-se do animal;  era um homem diferenciando-se de outro homem;  era o princípio inteligente em outro e mais espetacular estágio de evolução.  Agora, mais determinado e mais atuante, pelo pensamento e pela vontade.  Agora, finalmente, Espírito, na aurora da racionalidade, na rota da angelitude...  Esse ser demandará a perfeição cada vez mais consciente de si mesmo, passando pela infância, pela adolescência, pela juventude e pela maturidade espiritual.  Enquanto o elemento material, ao fim de cada ciclo, volta ao todo indiferenciado, como o rio que mergulha suas águas no oceano imenso, o ser espiritual é cada vez mais individualizado, cada vez mais ele mesmo, em marcha crescente e ascendente.

          Portanto, depois de todo o exercitamento do princípio inteligente nos reinos sub-humanos, agora temos Espíritos inaugurando o reino hominal, embora continuemos tendo outros princípios inteligentes agindo nos reinos mineral, vegetal e animal, em número inimaginável.  Nada de seres lendários, fantasiosos, fictícios;  nada de duendes, diabretes, gnomos ou trasgos;  nada de fadas, sereias ou deuses;  nada de anjos ou demônios.  Nesse panthéon só há Espíritos, ou princípios inteligentes, e nada mais.

          Concluindo esta extraordinária saga, que descreve em linhas gerais a história de cada um de nós, muito além do darwinismo, lembramos Emmanuel, com seu pensamento de luz:  “De milênios remotos, viemos todos nós, em pesados avatares.  Da noite dos grandes princípios, ainda insondável para nós, emergimos para o concerto da vida...” (F.C. Xavier, “Emmanuel”).

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