terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sexo e Vida

O SEXO SEGUNDO O ESPIRITISMO

 
                   Falar do sexo ou da sexualidade, sem se sentir incomodado pelo despertar de experiências atávicas, havidas nos tempos mais remotos em que o homem ensaiava para a racionalidade, agindo quase que totalmente sob o império de impulsos primários, ou sem manifestar alguma contrariedade pelos distúrbios e anomalias que o maculam, é um exercício de equilíbrio e bom senso, e um sinal de elegância e sabedoria.

                   O tema é dos mais palpitantes,  embora o homem poucas vezes o aborde com nobreza, dado o seu grau de comprometimento com a respectiva problemática.  E se os ecos daquelas experiências dormitam nos abismos do nosso inconsciente, cada vez mais distantes da nossa realidade presente, ainda permanecemos atrelados às energias instintivas de que somos indiscutíveis portadores, de tal sorte que, evolutivamente falando, pouco avançamos nesse delicado campo, desde os reinos inferiores da Natureza até os dias atuais.

                   Afinal, o que é o sexo?  Como o ser humano o vê?  Que problemática ostenta?  É o sexo pecado?  Qual a sua finalidade?  Os Espíritos têm sexo?  Eles se reproduzem?  Como devemos encarar suas anomalias?  O que é normal, o que é anormal, do ponto de vista espírita?  Pode-se dizer de fato que “a carne é fraca”?  Deus criou Espíritos masculinos e Espíritos masculinos?  Quem são os Espíritos que encarnam como homens e como mulheres?  Estas são algumas das questões que procuraremos responder ao longo desta ligeira abordagem espírita.  

                   Emmanuel, em “Sexo e Vida”, cap. I, ensina que “sexo é espírito e vida, a serviço da felicidade e da harmonia do universo”.  De início já observamos que o sexo não é de natureza física, corpórea ou material.  Ele é espiritual na sua essência e espiritual na sua finalidade.  Por isso, André Luiz, em seu magnífico “Evolução em Dois Mundos”, cap. XVIII, esclarece que “a sede real do sexo não se acha, dessa maneira, no veículo físico, mas sim na entidade espiritual, em sua estrutura complexa”, para arrematar logo a seguir que “o sexo é, portanto, mental, em seus impulsos e manifestações, transcendendo quaisquer impositivos da forma em que se exprime...”

                   Portanto, o homem comete erro básico ao ligar o sexo, assim como o erotismo e as práticas sexuais, exclusivamente à zona genital, orgânica, fisiológica.  É através dela, porém, que ele se manifesta de modo evidente, no dia-a-dia da experiência humana, haja vista o seu caráter reprodutivo.  Joanna de Ângelis, nesse aspecto, nos diz que, “fonte de vida, o sexo é o instrumento para a perpetuação da espécie, não sendo credor de qualquer condenação.  O ultraje e a vulgaridade, a nobreza e a elevação amorosa mediante as quais se expressa, dependem do seu usuário e não da sua função em si mesma.”

                   Em “Após a Tempestade”, cap. 6, ela dirá mais:  “Santuário da procriação, fonte de nobres emulações e instrumento de renovação pela permuta de estímulos hormonais, a sexualidade tem sofrido a agressão apocalíptica dos momentos transitórios da regeneração espiritual que se opera no planeta”.  Aqui, ela pinta o quadro real da atualidade do mundo em que o homem desfigura completamente a função do sexo, banalizando-o e embrutecendo-o ao extremo por praticá-lo sem a dignidade do amor.  Que o sexo gera prazer igualmente, não há dúvida, mas não esse prazer vulgar que mantém o homem ainda tão próximo da animalidade.  Praticar o sexo apenas para sentir-lhe o prazer fugaz é apequená-lo ou subestimá-lo.

                   Aviltado e distorcido em seu valor intrínseco, o sexo transformou-se no “Cabo Horne” de nossas experiências cotidianas, o mar proceloso da epopéia multimilenar do homem, onde costumam soçobrar as naus encantadas de nossos sonhos e fantasias mais acalentadas, com longos períodos de frustração, desalento e desarmonia, por comprometer nossa estrutura perispiritual, a par de proporcionar aqueles fugazes e naturais momentos de prazer físico.   

                   Criado para as emoções superiores na construção das nossas vidas, o sexo é fator decisivo na execução do processo reencarnatório dos Espíritos.  Jorge Andréa, em “Forças Sexuais da Alma”, cap. V, lembra que “o contato sexual, desenvolvendo energias imensas entre os cônjuges, de suas muitas finalidades teria o fim precípuo da atração do Espírito reencarnante”.  Ao apresentar-se para a nova experiência, o Espírito traz consigo toda a sua carga de créditos e débitos, na visão cármica da realidade.  Com isso, destacam-se suas tendências e a problemática que ostenta no campo do sexo. 

                   André Luiz, já citado, em “No Mundo Maior”, cap. XI, reitera o ensinamento de que “a sede do sexo não se acha no corpo grosseiro, mas na alma, em sua sublime organização”.   Por isso, quando nos deparamos com os desajustes de quem quer que seja, na área sexual, devemos nos reportar acima de tudo ao Espírito para encontrar-lhe a causa real, e não à organização física através da qual ele se manifesta.  “Sabemos hoje com segurança que a sexualidade é um sistema de polaridade não adstrito à forma específica do aparelho sexual” (em seu duplo modo de manifestar-se:  masculino e feminino), diz J. Herculano Pires, em “Mediunidade”, cap. VIII.

                   Em verdade, Deus não cria Espíritos masculinos e Espíritos femininos em separado, ou seja, não há Espíritos e Espíritas.  Deus cria todos iguais, com a bissexualidade em potencial.  Por isso, os Espíritos disseram, em O Livro dos Espíritos, perg. 201, “são os mesmos Espíritos que animam os homens e as mulheres”, ensinamento reiterado na perg. 822 da obra principal da Codificação Espírita.  Para isso, pesam as tendências, acentuadamente masculinas ou femininas, adquiridas ao longo das experiências multimilenares de cada um. 

                   Damos, aqui, a palavra ao Espírito Manoel Philomeno de Miranda, no prefácio de “Sexo e Obsessão”, onde ele diz que, “assexuado, o Espírito renasce numa como noutra polaridade, a fim de adquirir experiências e compreensão de deveres, que são pertinentes a ambos os sexos.  A intrepidez masculina e a docilidade feminina são capítulos que dão ao Espírito equilíbrio e harmonia”.

                   Isso significa que um Espírito não permanecerá sempre como o ser masculino ou o ser feminino que o caracterizam num dado momento da sua caminhada evolutiva.  Contudo a mudança de sexo não se constitui numa escolha aleatória ou caprichosa do indivíduo, mas se dará sempre na medida da necessidade de aprendizado de cada um, seja por imposição evolutiva, seja por razões cármicas e decorrentes do mau uso dessa força em suas passadas existências.  No mundo espiritual, despojado da matéria mais grosseira e limitadora, o ser possui maior capacidade de avaliação e escolha, planejando as suas encarnações mesmo com as dificuldades que lhe sejam mais favoráveis, prescindindo das ilusões do mundo e dos enganos próprios do homem.

                   Emmanuel, encarecendo o valor do sexo, diz-nos o que o seu exercício impõe:  “O sexo se define, desse modo, por atributo não apenas respeitável mas profundamente santo da Natureza, exigindo educação e controle”  (Vida e Sexo, cap. 1).  Até que se chegue a esse nível de nobreza, todavia, o ser atravessa a “selva selvaggia” dos maus hábitos e abusos, transformando a questão sexual muitas vezes em sua pedra de tropeço, a exigir correção e aperfeiçoamento.  É assim que, de equívoco em equívoco, de disvirtuamento em disvirtuamento, incorremos nas anomalias, desvios, distúrbios, distonias e aberrações do sexo, que acabam por revelar o estado em que nos encontramos na árdua linha da ascensão espiritual.

                   As ciências humanas costumam formar os conceitos de normalidade e anormalidade em cada campo de sua atuação.  No entanto, esses mesmos conceitos têm um valor puramente relativo em relação ao Espírito, que é herdeiro de si mesmo, de sua grandeza ou de sua inferioridade, ostentando problemática temporária e corrigível. Por isso, as denominações em geral são exclusivamente humanas.  Temos, então, relacionado com as formas de manifestação do sexo, heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade e assexualidade.  Joanna de Ângelis, ao comentar essa classificação, diz que “transexualidade ou homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade e assexualidade que se exteriorizam no campo da forma ou nas sutis engrenagens da psique têm suas nascentes e funções nas tecelagens do espírito.”  (Estudos Espíritas, cap. 6).

                   Dentro desse quadro genérico e bastante amplo, o Espírito ostenta uma problemática vasta e bem definida pelas ciências do homem, de acordo com as características específicas de comportamento que apresenta na vida de relação.  É assim que, no quadro dos distúrbios sexuais, temos o narcisismo, o erotismo, o fetichismo, o pigmalionismo, o exibicionismo, o voyeurismo e a ninfomania.  No âmbito das consideradas anomalias do sexo, despontam a prostituição, o sadomasoquismo, a necrofilia, a pedofilia, a sodomia, o vampirismo e o bestialismo.  Dentre as psicopatologias, encontram-se o complexo de édiplo, o complexo de electra, a coitofobia, o incesto, o complexo de cinderela e o complexo de peter pan.  Como distonias, classificam-se o intersexualismo, o transexualismo e o homossexualismo.  Os casos em que o indivíduo apresenta uma duplicidade de caráter são o hermafroditismo, o transexualismo, o intersexualismo e a androginia.  Já os casos cirúrgicos denominam-se orquidectomia, transgenitalismo e implante.  Contudo, todas essas denominações não esgotam o elenco de problemas envolvendo a sexualidade humana.

                   Manoel Philomeno de Miranda, na obra já citada, diz que “desvios sexuais, aberrações nas práticas do sexo, condutas extravagantes e desarticuladoras das funções estabelecidas pelas Leis da Vida, geram perturbações de longo curso, que não se recompõem com facilidade, senão ao largo de dolorosas reencarnações expungitivas e purificadoras”.  Daí o quadro complexo de problemas vividos pelo homem no mundo, de etiologia muitas vezes obscura aos olhos dos profissionais mais categorizados.  Afrontando as leis naturais, o Espírito sujeita-se a todo um cenário de dores e frustrações que lhe transtornam o existir.  Como encarar o problema?

                   Em “O Homem Integral”, cap. 7, Joanna de Ângelis assevera que “os problemas sexuais, por isso mesmo, devem ser enfrentados sem hipocrisia, nem cinismo, fora de padrões estereotipados por falsa moralidade, tampouco levados à conta de pequeno significado.  São dificuldades, e, como tais, merecem consideração, tempo e ação especializada.”  Portanto, qualquer que seja a problemática enfrentada, deve o indivíduo aprender a lidar com ela da forma mais nobre e adequada às suas necessidades de aprendizado e correção, consciente de que é o único artífice da sua felicidade ou infelicidade.  A reencarnação é apenas a oportunidade bendita de equacionar a problemática trazida do passado dentro de um novo contexto.

                   Jorge Andréa, na obra já citada, cap. V, lembra que “o sexo é organização específica por onde os mecanismos de sublimação podem dar-se e, também, por onde o amor favorece os impulsos que buscam sempre o equilíbrio das emoções.”  O sexo é uma das grandes forças da alma, assim como a vontade e o sentimento, por exemplo, que Deus outorgou ao ser inteligente da Criação para servir de canal às suas grandes realizações, à transcendência e ao aperfeiçoamento.  Logo, deve ser utilizado de forma correta e na medida exata das exigências de cada experiência.  Se um indivíduo encarna em corpo masculino, embora trazendo os traços da feminilidade que o caracterizaram por um tempo imensurável, deve procurar adaptar-se ao novo corpo que ele mesmo produziu e não conformar o corpo à sua mentalidade por meio das técnicas cirúrgicas disponíveis na atualidade, como no caso do transexualismo.

                   O sexo é uma força natural, portanto, que nada tem de pecaminoso.  O conceito de pecado, aliás, ligado ao sexo, é de origem puramente religiosa, criado para manipulação das consciências e alimentação do sentimento de culpa, que tão facilmente emerge no Espírito imperfeito que ainda somos.  Os Espíritos, na verdade, não têm sexo como nós o entendemos, pois ele depende de uma condição orgânica (L.E., perg. 200), que somente o homem possui.  E não têm essa espécie de sexo, orgânico, instrumental, genital, pois que ele é inútil na erraticidade.

                   Reportando-se a essa condição, Kardec ensina que “os sexos só existem no organismo.  São necessários à reprodução dos seres materiais.  Mas, os Espíritos, sendo criação de Deus, não se reproduzem uns pelos outros, razão porque os sexos seriam inúteis no mundo espiritual.”  (Rev. Esp., janeiro de 1866, p. 3).  É isso, com outras palavras, o que está dito na perg. 822 do L.E. já citada.  Portanto, não se pode pensar em práticas sexuais entre os Espíritos, da mesma forma que as há entre os homens.  “O corpo procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito”, diz o E.S.E., cap. XIV, n. 8.  
                    A benfeitora Joanna de Ângelis acentua que “o corpo produz o corpo, que é herdeiro de muitos caracteres ancestrais da família, que sofre as ocorrências ambientais, mas só o Espírito produz o caráter, as tendências, as qualidades morais, as realizações intelectuais, o destino...” Como imaginar, assim, que haja casamento, ato sexual, gravidez ou até aborto no mundo espiritual?  Esses conceitos seriam no mínimo anti-doutrinários.

                   Ademais, consoante já dito, “não existe diferença entre o homem e a mulher, senão no organismo material, que se aniquila com a morte do corpo.  Mas, quanto ao Espírito, à alma, o ser essencial, imperecível, ela não existe, porque não há duas espécies de alma.” (Kardec, in Revista Espírita citada, p. 4).  O que isso tem a ver com a homossexualidade, que se caracteriza basicamente pela tendência da criatura para a comunhão afetiva com uma outra criatura do mesmo sexo e não tem uma explicação plausível em face das correntes psicológicas do mundo, de caráter essencialmente materialistas?  Teria ela origem nessa igualdade entre os Espíritos?  Absolutamente, não.

                   A homossexualidade, em verdade, “é a mais severa de todas as distonias, seja pelas causas, seja pelas consequências imediatas e de longo prazo que acarretam”, diz Francisco A. Gabilan em “Macho, Fêmea etc.”, cap. 15.  Somente a lei da reencarnação é capaz de explicar o fenômeno, mostrando que não se trata de uma anomalia da Criação divina.  Sendo o Espírito um ser in itinere, uma “individualidade em trânsito, da experiência feminina para a masculina ou vice-versa”, diz Emmanuel em “Vida e Sexo, cap. 21, manifesta sempre as características mais marcantes do seu caráter, independentemente do corpo que ostente num dado momento.

                   Por outro lado, aquele que abusa das suas energias genésicas, causando dor e sofrimento, traumas e desespero, destruição e morte a todos aqueles que lhe cruzam o caminho, vê-se na contingência de passar por experiências no corpo morfológico masculino ou feminino, oposto às suas características de comportamento, para proceder ao reajuste dos seus próprios sentimentos.  Assim também, os que se candidatam a uma existência missionária, e que trazem características acentuadamente masculinas ou femininas, podem pedir aos seus instrutores espirituais que os assistam no planejamento da sua própria encarnação, ocultando-se num corpo carnal de polaridade diferente daquela que os distingue, de modo a não “caírem em tentação”.  Por isso, sabemos que não é a carne que é fraca, mas o Espírito, com suas tendências e imperfeições.  Em tudo e por tudo, o Espírito que ostenta a problemática é o único responsável por ela.  Não se pode, por isso, dizer que um indivíduo é homossexual, por exemplo, devido à influência espiritual de que seja suposta vítima...

                   Enfim, Joanna de Ângelis ensina, com muita sabedoria, que “sexo, em si mesmo, sem os condimentos do amor, é impulso violento e fugaz”, em “Amor, Imbatível Amor”, cap. 1, que transtorna a vida do próprio amante, antes de macular a do outro.  Por isso, “educar o sexo, mediante conveniente disciplina mental é o desafio para a felicidade, que todos enfrentam e devem vencer.”, diz ela em outra página memorável, in “Dias Gloriosos”, cap. 14.  O sexo é, e será sempre, uma força criadora, modeladora e enriquecedora da alma, que exige educação e respeito, ética e responsabilidade, para que dê os frutos mais preciosos e estimulantes.

                   Somente à luz da Doutrina Espírita, a sexualidade conquista o seu nobre valor, por destacar-se a sua origem:  o sexo localiza-se no Espírito e não na aparelhagem genital, na força hormonal ou na carga energética do indivíduo...

                   Lembrando, na Introdução do “Vida e Sexo”, que “a aplicação do sexo, ante a luz do amor e da vida, é assunto pertinente à consciência de cada um”, Emmanuel arremata o seu estudo com estas palavras sábias:

                   “Se alguém vos parece cair, sob enganos do sentimento, silenciai e esperai!  Se alguém se vos afigura tombar em deliquência, por desvarios do coração, esperai e silenciai!...

                   Calai os vossos possíveis libelos, ante as supostas culpas alheias, porquanto nenhum de nós, por agora, é capaz de medir a parte de responsabilidade que nos compete a cada um nas irreflexões e desequilíbrios dos outros.”  (cap. 26).


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