quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A loucura sob o velho prisma

Victor Hugo e o Espiritismo

        O jornal francês Libération publicou, há tempos, matéria relativa ao envolvimento do grande gênio literário da França com o espiritismo, enfocando os fenômenos das mesas girantes ocorridos na ilha de Jersey, no Canal da Mancha, quando do exílio do extraordinário beletrista.  Os fenômenos começaram quando chegou à ilha a Sra. Delphine de Girardin, “ancienne muse de la Patrie”, trazendo do continente a novidade, que já era moda nos salões chiques de Paris.  “Teria o grande Hugo enlouquecido, aos 52 anos de idade?  A atmosfera viva do aequipélado anglo-normando teria provocado nele um delírio teológico?”, pergunta o articulista, ao tomar conhecimento do Livre des Tables, publicado em 1923, muito tempo após a morte de Hugo, e onde ele descreve parte do ocorrido em Jersey.
        A análise publicada pelo prestigioso diário francês mostra como o ser humano continua cético e distante das coisas do espírito.  O fato descrito no artigo jornalístico é de conhecimento público, consta de todas as biografias hugonianas e não tem absolutamente nada de extraordinário.  O fenômeno das mesas girantes, ou mesas falantes, ou mesas comunicantes, como se queira dizer, era muito comum nos anos 50 do século XIX.  E foi através dele que o Codificador, Allan Kardec, foi levado ao estudo das manifestações dos Espíritos e à elaboração das cinco obras básicas do Espiritismo, além da Revista Espírita e outros textos deixados por ele ao desencarnar.
        Igualmente, o encontro do Grande poeta e escritor francês com a Sra. Delphine de Girardin vem descrito por J. Malgras, em Os Pioneiros do Espiritismo, que reproduz parte das sessões mediúnicas realizadas na ilha de Jersey.  Ela foi uma escritora de renome, no cenário cultural francês do séc. XIX, e seu salão era frequentado por grandes estrelas literárias, como Théophile Gautier, Honoré de Balzac, George Sand, Alexandre Dumas, pai, Alfred de Musset, Alphonse de Lamartine e o próprio Victor Hugo, entre outros, além do compositor de música erudita Franz Liszt.  Ela chegou a Jersey no ano de 1853 e ali ficou por uns poucos dias, o suficiente para iniciar Victor Hugo no contato com a espiritualidade e permitir-lhe comunicar-se com o Espírito Léopoldine, filha muito amada do escritor, desencarnada em 1843 juntamente com seu marido, num naufrágio.
        O grande literato e poeta, dramaturgo e homem público, acadêmico e intelectual, que escreveu dezenas de obras, entre elas Les Misérables e Notre-Dame de Paris, é considerado um dos maiores gênios da literatura francesa de todos os tempos.  Era reconhecido e admirado pelo povo francês e seu funeral foi seguido pelas ruas de Paris por mais de dois milhões de pessoas.  Eis o porquê do inconformismo do articulista do Libération, que ignora, certamente, que os outros grandes ícones da literatura francesa, que frequentavam o salão da Sra. de Girardin, acima citados, tinham lá também sua intimidade com os Espíritos.  E o que dizer dos eminentes homens de ciência, como Gabriel Delanne, Camille Flammarion, Charles Richet e Gustave Geley? Como entender o interesse do Coronel Albert de Rochas pelos fenômenos paranormais e pelo Espiritismo?
        Enfim, que mal há em ser médium, ou comunicar-se com os Espíritos, se isso é a coisa mais natural de todas as culturas do mundo, em todas as épocas.  Sabe, acaso, o articulista que o Codificador da doutrina foi um grande pedagogo, discípulo de Pestalozzi, e que o Espiritismo nasceu e floresceu justamente na capital cultural do mundo, a sua Paris, em meados do séc. XIX?  Sabe ele que o movimento espírita colocou figuras muito ilustres da sociedade parisiense da época em torno daquela mesma espécie de mesa?  Certamente não!  Daí sua crítica acerba, seu inconformismo, sua ignorância... 
        Esse procedimento, porém, não é um privilégio da imprensa francesa, que trata assim com desprezo e preconceito um dos maiores vultos da literatura mundial.  O jornal cearense “A República”, que circulou no dia 13 de abril de 1900, assim se referiu em face da morte de um dos mais proeminentes filhos da terra, o Dr. Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti, que desencarnara dois dias antes, no Rio de Janeiro, sendo uma figura de grande destaque no cenário nacional:
          “...  Espírito lúcido, com a melhor educação acadêmica, todavia, não deixou de ter as suas quedas.  Da escola ultramontana, em princípio, foi descendo na escala das crendices humanas, até declarar-se espírita, nos últimos dias da sua existência, já materialmente enfraquecida pelos insultos da idade, logo intelectualmente decaída.”
        Naqueles tempos, de fato, o Espiritismo era visto como uma doutrina do demônio, prática de ignorantes, crença desprezível e genericamente enquadrada como crime pelo Código Penal da República.  Além do que, a Doutrina ainda não tinha conquistado o respeito de toda a nação e de todos os segmentos da sociedade brasileira, como acontece hoje em dia.  O forte poder da Igreja Católica daqueles tempos provocava reações apaixonadas de uma grande fatia da população do país, e influia decisivamente na imprensa nacional.
        Por isso, acreditava-se que o Espiritismo, a par de “ser” uma prática proibida por Moisés, há mais de 3.000 anos (Dt 18:10-11), era capaz de produzir a loucura nos praticantes da mediunidade.  Todavia, o próprio Kardec esclarece que a loucura advém mais de uma tendência que o indivíduo traz consigo e menos de qualquer crença a que se dedique o médium:
        “Não produziria mais do que qualquer outra coisa, quando a fraqueza do cérebro não oferecer predisposição para isso.  A mediunidade não produzirá a loucura, se esta não existir em germe.”  (L.M., item 221, p. 5)  
        A verdade é que o preconceito contra o Espiritismo já foi muito mais acentuado do que o é na atualidade.  Que o diga Sir William Crookes, ele mesmo um cético que resolveu estudar o fenômeno mediúnico para provar que era uma fraude.  Cientista britânico de primeira linha, porém, acabou por converter-se à Doutrina, após exaustivas experiências e estudos.  A sociedade científica do Reino Unido, após a declaração pública do grande expoente da química e da física da época, cogitou que deveria cancelar sua filiação à Royal Society, o que não se verificou.
        Muitos anos após o incidente, numa entrevista à The International Psychic Gazette, o laureado cientista, descobridor do elemento químico tálio, declararia:  “Nunca tive jamais qualquer ocasião para modificar minhas ideias a respeito.  Estou perfeitamente satisfeito com o que eu disse nos primeiros dias.  É absolutamente verdadeiro que uma conexão foi estabelecida entre este mundo e o outro.”  Talvez por essa razão nunca tenha sido agraciado com o Prêmio da Fundação Nobel, de Estocolmo, o que certamente ainda mais o engrandeceu como Espírito.
        Por razões semelhantes, outras figuras notáveis do mundo das ciências terrenas, como Alfred Russel Wallace, naturalista, geógrafo, biólogo e antropólogo, Oliver Joseph Lodge, físico e escritor, Lord Rayleigh, matemático e físico, todos britânicos, e o norte-americano William James, psicólogo, filósofo e com formação em medicina, foram bafejados pelo preconceito dos seus pares, a despeito de suas grandes produções no âmbito científico.
        Albert Einstein teria dito certa vez que é mais fácil dividir um átomo do que quebrar um preconceito.  Ele mesmo, por sua religiosidade e visão racional de Deus, é tido como um místico, assim como Carl Gustav Jung e muitos outros.  O grande cientista alemão, porém, disse certa vez que “no campo daqueles que procuram a verdade, não existe nenhuma autoridade humana.  Todo aquele que se fizer de magistrado encontrará imediatamente a risada dos deuses.”  Sábias palavras, pois o próprio Mestre Jesus foi claro ao dizer:  “Não julgueis para não serdes julgados;  porque com o juízo com que julgardes sereis julgados”...  (Mt 7:1).  "Magister dixit!"


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